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Usucapião familiar: saiba mais sobre o tema e descubra o que mudou com o regime jurídico emergencial

A Lei 14.010/2020, sancionada há duas semanas para dispor sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado – RJET durante a pandemia do Coronavírus, trouxe repercussões para o Direito das Famílias e das Sucessões. Além das previsões específicas sobre a prisão do devedor de pensão alimentícia e prazos para inventário e partilha, dispostos no capítulo X, a nova norma também trouxe determinações sobre usucapião.


Em seu artigo 10, do capítulo VII, a Lei 14.010/2020 determina: “suspendem-se os prazos de aquisição para a propriedade imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020”. Consequentemente, a medida traz implicações à usucapião familiar, conceito de aquisição de propriedade criado pela Lei 12.424/2011, ao incluir o artigo 1.240-A no Código Civil – CC.


O referido artigo prevê que aquele que exercer por dois anos, ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano próprio de até 250m², cuja propriedade dividia com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, terá adquirido o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

A usucapião familiar tem como objetivos salvaguardar o direito à moradia daquele cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel e também proteger a família que foi abandonada. Para isso, deve ser devidamente comprovado o abandono do imóvel e também dos familiares por uma das partes.


Especialista explica usucapião familiar

Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o advogado e professor José Fernando Simão explica que a usucapião, em todas as suas modalidades, pressupõe lapso temporal de posse mansa e pacífica, sem oposição do proprietário. “É uma posse com animus domini, ou seja, o possuidor se comporta como proprietário. O lapso temporal na usucapião familiar é de apenas 2 anos, o menor prazo previsto no CC para a usucapião”, atenta.


“Há uma questão interessante sobre o cômputo do prazo da usucapião. Os efeitos interruptivos, impeditivos e suspensivos da prescrição de pretensões (parte geral do CC – art. 189 e seguintes) se aplicam à usucapião, qualquer que seja sua modalidade”, destaca Simão, conforme prevê o artigo 1.244 do CC: “Estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião”.


Simão atenta que o RJET, imposto pela recente Lei 14.010/2020, trouxe regra idêntica em seu artigo 10: suspendem-se os prazos de aquisição para a propriedade imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020. O especialista explica: “Em suma, todos os prazos da usucapião familiar iniciados antes de 12 de junho de 2020 (data da entrada em vigor do RJET) param de correr, ocorre uma suspensão e retomam seu curso em 31 de outubro de 2020”.


Mudanças com a nova lei

Para exemplificar a questão, ele supõe a situação de um companheiro, que tenha saído do lar (imóvel urbano com até 250 m²) em 12 de maio, deixando de exercer qualquer ato de propriedade sobre o imóvel comum, com clara intenção de não mais exercer o direito de propriedade, e permanecendo sua companheira residindo ali com os filhos do casal. Tendo decorrido o prazo de 30 dias em 12 de junho para fins de usucapião familiar (art. 1.240-A do CC), o 31º dia será em 31 de outubro de 2020.


“Todos os prazos para usucapião que teriam começado a partir de 12 de junho de 2020 não se iniciaram, estão impedidos de correr e seu primeiro dia será 31 de outubro de 2020. Assim, se no mesmo exemplo, o companheiro deixa o lar conjugal em 12 de junho de 2020, o primeiro dia do prazo da usucapião será 31 de outubro de 2020”, explica Simão.


O professor acrescenta ainda que, pelo artigo 197, I, do CC, não corre prescrição entre cônjuges na constância da sociedade conjugal. “Apesar de não correr a prescrição da parte, denominada por parte da doutrina de extintiva, correrá o prazo para usucapião – impropriamente denominada prescrição aquisitiva – afastando-se, assim, a regra a incidência do artigo 1.244”, atenta.


Usucapião familiar no ordenamento jurídico

Segundo José Fernando Simão, há uma grave questão a ser tratada no que diz respeito ao usucapião familiar no ordenamento jurídico brasileiro. “A usucapião pressupõe que o proprietário deixa, voluntariamente, de exercer os atos de usar, fruir, dispor e reaver. A propriedade registral do imóvel é do marido ou da mulher, do companheiro ou da companheira (bem particular) ou de ambos (bem comum) e um deles deixa de exercer os atos de proprietário”, inicia.


O advogado e professor julga inadequado restringir a usucapião familiar exclusivamente aos bens comuns, como faz o Enunciado 500 do Conselho da Justiça Federal – CJF, que prevê: a modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil pressupõe a propriedade comum do casal e compreende todas as formas de família ou entidades familiares, inclusive homoafetivas. “O imóvel particular de quem saiu de casa e deixou de exercer ato de propriedade pode também ser usucapido nessa modalidade”, afirma Simão.


“Se o marido, a mulher, o companheiro ou a companheira são afastados do lar conjugal por decisão judicial, seja por medida protetiva constante da Lei Maria da Penha, seja em razão de prisão por crime praticado, não se pode falar que o proprietário ‘abandonou’ o bem, deixou de exercer os atos inerentes à propriedade. Faltaria requisito básico a possibilitar a usucapião”, acrescenta o especialista.

É com essa situação que se depara neste momento de pandemia, com o aumento da violência doméstica e familiar. “Para esses casos, não há que se falar em usucapião. É verdade que o tempo pode indicar que há essa inexistência de atos (usar e fruir) que indicam o início do prazo da usucapião familiar. Mas não será, certamente, no dia seguinte ao afastamento do lar. Haverá necessidade de uma complexa prova desse abandono, dessa ausência de comportamento como proprietário”, defende Simão.


Usucapião familiar protege mulheres após ônus afetivo e financeiro

Para ele, a usucapião familiar é uma modalidade de grande importância, normalmente utilizada por mulheres de baixa renda quando o ex-marido ou ex-companheiro deixa o lar, desaparecendo da vida familiar. Nessa situação, segundo o especialista, a mulher costuma ficar com todos os ônus familiares, nas searas afetiva, financeira e de cuidado.


“A usucapião familiar é justa pois garante à mulher que fica no imóvel a tranquilidade de ter onde morar sem a necessidade de pagar aluguel ao ex-marido ou ex-companheiro e sem risco de se propor uma ação de extinção de condomínio para venda do imóvel comum, hipótese em que a família poderia ficar sem ter onde residir”, destaca.


Ele lembra que a regra não se aplica apenas às mulheres, ainda que a experiência com homens nesta experiência seja menos frequente. “Da mesma forma, o instituto não se aplica apenas às famílias de baixa renda. Basta que haja um imóvel urbano de tamanho não superior a 250m². Novamente, pela experiência, nos casais com mais instrução, com maior conhecimento do Direito, o ex-marido ou ex-companheiro não deixa de praticar atos de propriedade, ainda que sua ex-esposa ou ex-companheira resida no imóvel com os filhos – e um exemplo disso é o pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU”, assinala Simão.

Fonte: http://www.ibdfam.org.br/noticias/7416/Usucapi%C3%A3o+familiar%3A+saiba+mais+sobre+o+tema+e+descubra+o+que+mudou+com+o+regime+jur%C3%ADdico+emergencial

 
 
 
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